Controlar os fatores que condicionam a produtividade agrícola sempre foi o grande desafio dos agentes envolvidos nesse setor. No entanto, essa máxima nunca se fez tão urgente desde que um artigo científico, publicado no início dessa década, defendeu a tese de que, em 2050, não teríamos capacidade de alimentar a população mundial, estimada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em 9 bilhões de habitantes ou mais.
Desde então, a comunidade científica e empresarial passou a empreender esforços para que essa previsão não se concretize. Para o êxito dessa jornada, surgiu uma geração de jovens pesquisadores que estão se capacitando inseridos nos pilares produzir mais, ocupando menor área, em tempo mais curto e de forma sustentável.
Em um dos centros de excelência na produção de conhecimento voltado ao agronegócio, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), parte dessa primeira geração de cientistas já dedica sua atividade científica em prol de conhecimento e de tecnologia que possam garantir a segurança alimentar do planeta antes mesmo da chegada do ano 2050.
Júlia Silva Morosini é doutoranda no programa de Genética e Melhoramento de Plantas da Esalq. Em sua pesquisa, trabalha com melhoramento genético de milho e fala da importância dessa área diante da problemática do abastecimento de alimentos para a população mundial. “Nosso papel como melhorista e geneticista é fazer com que uma planta produza o máximo possível ocupando a menor área possível. A proposta é melhorar os índices de produtividade dentro de uma mesma área, sem a necessidade de expansão”. Júlia é orientada pelo professor Roberto Fritsche Neto, do departamento de Genética, que coordena o laboratório de Melhoramento de Plantas Alógamas, um centro que tem, entre seus objetivos, entender a genética e o melhoramento de plantas em condições de estresses abióticos e desenvolver germoplasma de milho tropical com maior eficiência no uso de nitrogênio. “No nosso laboratório buscamos desenvolver modelos e métodos de predição genética, os quais irão auxiliar no desenvolvimento de cultivares mais adaptados (produtivos e estáveis) aos ambientes atuais e futuros. Consequentemente, aumentar seguridade alimentar e reduzir custos de produção”, detalha Fritsche Neto.
Aplicar ferramentas como a predição genômica é uma das tarefas com as quais Júlia está envolvida e que segue o propósito de elevar os níveis de produtividade e mitigar os impactos ambientais. “Na minha pesquisa temos informações dos marcadores para realizar predição genômica, ou seja, estimar quanto uma planta ou população vai produzir ou vai ter um determinado desempenho de uma dada característica com base em dados moleculares, antes mesmo da planta ir para o campo”. Para a doutoranda, integrar a genética clássica à molecular permite uma fusão que resulta em melhores índices de rendimento. “Em uma visão otimista, os programas clássicos de milho demandavam até 7 anos ou mais para resultar em uma variedade comercial. Hoje esses resultados chegam em 3 ou 4 anos e com uma acurácia maior, ou seja, com maior certeza na hora de tomar a decisão. Menos tempo e maior certeza na seleção”.
As análises da tese de Júlia começam no segundo semestre deste ano e seu foco está na eficiência do uso do nitrogênio (N), fundamental para o milho. “No cenário atual temos um estado de defasagem desse nutriente. Por isso é interessante que tenhamos plantas menos dependentes. Nosso objetivo é selecionar um material mais eficiente, uma planta que seja capaz de demandar a metade do N para ter o mesmo rendimento”.
Precisão – Fato é que a evolução da genética, nas últimas décadas, tem propiciado saltos gigantescos na qualidade das análises, mas sozinha as ramificações dessa área, como a genômica, não darão conta de resolver o problema. “A associação entre vertentes da agronomia nos dará a segurança alimentar que buscamos”, prega o engenheiro agrônomo e doutorando Rodrigo Gonçalves Trevisan, que se aproximou dos pesquisadores geneticistas e com eles tem compartilhado conceitos e aplicações da agricultura de precisão.
Rodrigo realizou o mestrado em Engenharia de Sistemas Agrícolas, na Esalq, com orientação do professor José Paulo Molin, do departamento de Engenharia de Biossistemas. No mestrado, atuou com a eficiência de N no cultivo do algodão. “Meu trabalho é voltado para as decisões que são tomadas no campo, para melhorar a eficiência”. Agora, ele se aproxima das técnicas de seleção genômica, mas sem perder o foco na busca de ferramentas que permitam ao produtor tomar decisões mais assertivas no manejo diário da sua propriedade. “No caso do N para algodão, buscamos aprimorar o conhecimento sobre as doses a serem aplicadas, em quais momentos e quais ferramentas podem auxiliar”.
Na prática, Trevisan e seus pares estão diante de uma nova escala de análise. “Com a agricultura de precisão, passamos a desenhar um mapa de produtividade de maneira que conseguimos construir um banco de dados robusto e obter algoritmos especificamente calibrados para aquele talhão, considerando cada condição. Assim abandonamos uma recomendação genérica e partimos para uma escala mais refinada, o que nos permite fazer uma recomendação personalizada para o produtor”.
Em seu doutorado, o agrônomo trabalha com experimentos instalados direto nas fazendas e utiliza sensores acoplados em drones que simulam a demanda de um insumo em cada plnata. “Após a colheita, tenho a resposta com relação à dose aplicada, ao rendimento da planta, com informações que podem ser cruzadas de acordo com fatores diversos como clima, por exemplo. A quantidade de informação coletada dilui o erro do modelo clássico e possibilita obter uma recomendação mais robusta ou assertiva”.
De acordo com Trevisan, automatizar o processo diminuiu os custos com repetições de análise em até 100 vezes. “Isso possibilita que cada produtor tenha em mãos as reais condições da sua fazenda”. De fato, a aproximação entre agricultura de precisão e pesquisas genéticas ou agrometeorológicas tem resultado em uma aceleração do processo. “Uma coisa é avaliar o dado de um produtor específico. Mas quando avalio 30 talhões de um produtor, mais os talhões do vizinho, ou mesmo de um município ou estado, essa informação levava 10 anos para ser obtida, porque dependíamos da variação climática, por exemplo. Hoje, dentro do mesmo ano é possível obter e fazer recomendações mais apuradas e já para o próximo ano. O produtor não pode mais esperar por essa informação”.
Nas instituições de pesquisa, a otimização também está relacionada à qualidade de dados. “Como um experimento ocupa uma grande área, necessitamos de equipamentos e ajuda da bioinformática. O trabalho que antes era realizado por 8 pesquisadores aqui do laboratório, durante uma semana, hoje resolvemos com o drone em apenas uma tarde. E o resultado obtido não é subjetivo, pelo contrário”, reforça a geneticista Júlia.
A esfera econômica também ganha com a otimização das análises. “Sem a devida acurácia, poderíamos ainda gerar prejuízo com o produto porque não necessariamente a data de colheita seria mais adequada, já que o tempo para tomar decisão poderia significar a perda do tempo certo de colheita”, pressupõe a pesquisadora.
Trevisan reforça a evolução da escala para o nível de planta já é uma realidade. “Quando falamos em fenotipagem de alto rendimento e outras tecnologias, falamos de algo que já está acontecendo para culturas de alto valor agregado, citros, café, milho. Então a área de melhoramento genético propicia oportunidades para o desenvolvimento de ferramentas para atender essa demanda de individualização por planta. Na produção isso é ainda uma tendência, mas nas instâncias de pesquisa isso já é presente”.
Na Smartagri, startup da qual Trevisan é sócio proprietário, técnicas de inteligência artificial tem auxiliado a decidir se uma planta pode ser descartada ou se precisa receber algum nutriente específico antes de seguir para o campo. “Nesse nível de precisão, fazemos a aplicação para cada uma das plantas. Temos um projeto de controle de plantas daninhas e sensores instalados a cada metro de barra do pulverizador detectam a presença das daninhas a cada 20 cm e toma a decisão de aplicar ou não insumos. Isso tem proporcionado economia de até 95% já que se não temos plantas daninhas em toda a extensão não temos porque desperdiçar fertilizantes. A expressividade econômica é muito grande e o horizonte de crescimento ainda é nem animador”.
Diante desse cenário, justifica-se otimismo do jovem engenheiro agrônomo, que segue para realizar seu doutorado na University of Illinois Urbana-Champaign, com co-orientação do professor José Paulo Molin, diante do desafio de chegar ao ano de 2050. “Eu acredito que com o tipo de tecnologia que hoje estamos desenvolvendo, tão disruptiva, permite projetar um cenário de expansão exponencial da produção agrícola. Ao invés de pensarmos em um aumento de 5% a cada ano, quem sabe podemos imaginar dobrar a cada ano ou algo nessa dimensão”.
Julia é mais conservadora quando imagina o futuro. “O problema não vai deixar de existir, mas acredito em uma escala muito mais branda. Identificamos o problema, provavelmente uma crise de abastecimento deve ocorrer, mas a comunidade científica começou a tomar decisões para que ele seja o mais mitigado possível. Com relação a aumentar a produção em uma mesma área, deixando de impactar outras áreas, já é uma realidade possível. Estamos nos preparando bem para que o cenário não seja tão assustador quanto imaginávamos”.
A transferência de tecnologia ao campo, ou seja, a transformação do conhecimento em ferramentas que de fato resultem em ganhos de produtividade, já é um obstáculo a ser vencido nos dias de hoje. E essa questão parece ser a sombra que ainda deixa os pesquisadores com dúvidas. “Eu não duvido de que iremos desenvolver tudo isso, nosso potencial já tem se traduzido em pesquisas. Minha ressalva é com a aplicabilidade dessa tecnologia. As empresas e as instituições de pesquisa têm mostrado fôlego para essa demanda, mas tudo isso precisa chegar ao produtor. É um alerta. Ainda precisamos trabalhar na extensão para que esse conhecimento seja de fato empregado no campo e que o produtor tenha aderência às novas tecnologias”.
De fato, alerta Rodrigo Trevisan, “a extensão rural no Brasil ainda precisa ser reestruturada e, aliado a esse ponto, a educação de nível técnico é um dos maiores gargalos do setor. Ainda estamos diante de um cenário de baixa disponibilidade de mão de obra qualificada para o serviço operacional”. Trevisan anima-se e lembra que, se comunidade científica e setor produtivo dialoguem, em benefício de um ambiente agrícola sustentável do ponto de vista ambiental e econômico, todos teremos a ganhar.
“As novidades vão se conectando. Seja no campo da geração de energia, do melhoramento genético ou no manejo, creio que conseguimos chegar em 2050 com tudo em dia, com alimentos de sobra para 9 bilhões e não só isso. Acredito em alimentos com melhor qualidade nutricional. A minha perspectiva de longevidade é de 150 anos e com o que temos de evolução para acontecer nos próximos 30 anos, quem está nascendo agora pode se preparar para viver mais de 100 anos tranquilamente, fazendo sua parte, claro. Com tudo que estamos desenvolvendo hoje teremos condições de proporcionar uma vida melhor para os 9 bilhões ou mais de habitantes e por mais tempo”.
Texto: Caio Albuquerque (19/07/2018)