ESALQ-LOG realiza diagnóstico das estradas vicinais no Brasil e desenvolve ferramenta de priorização de investimentos

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(divulgação Esalqlog)
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Uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), realizou um amplo diagnóstico das estradas vicinais no país. As estradas vicinais são vias majoritariamente municipais e não pavimentadas, que conectam áreas rurais a centros urbanos e às principais rodovias estaduais e federais. Diretamente associadas à logística da produção da agropecuária, representam o primeiro elo do transporte da safra, superando 1,4 bilhão de toneladas movimentadas anualmente.

Apesar de sua relevância no escoamento da produção agropecuária, as estradas vicinais apresentam condições precárias de manutenção e trafegabilidade, o que gera enormes prejuízos econômicos, ambientais e sociais. A frequente presença de buracos, erosões, atoleiros, excesso de pó, dentre outros gargalos de infraestrutura presentes nessas vias, resultam em interrupções do transporte, atrasos e dificuldades de mobilidade de bens e pessoas, além de perdas de produtos e riscos de acidentes. A precariedade das vias também gera atrasos, perda de produtividade operacional no transporte, aumento do custo logístico e maiores emissões de gases de efeito estufa (GEE), dentre outros problemas.

Uma infraestrutura adequada de estradas vicinais assegura acessibilidade, dignidade e segurança para o deslocamento de pessoas e o transporte de cargas nas áreas rurais do país. Além disso, fortalece a competitividade econômica, promove a sustentabilidade e impulsiona o desenvolvimento local e nacional.

A malha vicinal brasileira soma 2,2 milhões de quilômetros, distribuídos em 557 microrregiões, o que representa uma extensão dez vezes superior à das rodovias pavimentadas do país. A limitação de recursos públicos e a falta de planejamento estratégico dificultam a priorização dos investimentos e a melhoria das condições das estradas vicinais no país. O professor Thiago Guilherme Péra, coordenador do ESALQ-LOG comenta que o problema das estradas vicinais não deve ser mais negligenciado. “Muito se discute no Brasil sobre a criação e o desenvolvimento de grandes infraestruturas logísticas para o escoamento da produção agroindustrial. No entanto, ainda se faz muito pouco para melhorar as condições das estradas vicinais — justamente o elo mais crítico e estratégico de toda a cadeia logística, por onde circulam diariamente a produção, os insumos e as pessoas que sustentam o agronegócio nacional e tem sido pouco valorizada”, diz Péra.

A pesquisa propôs a criação do Índice de Priorização das Estradas Vicinais (IPEV), ferramenta que indica as prioridades de investimento e intervenção em cada região do Brasil. A partir da análise de uma série de dados econômicos, sociais, ambientais e de infraestrutura referentes a estradas vicinais, combinados com a produção agropecuária brasileira, a metodologia desenvolvida permite encontrar regiões prioritárias para o investimento de melhoria nas estradas. O Ipev fornece um instrumento técnico e transparente de apoio à decisão pública, permitindo identificar regiões prioritárias para investimentos.

A partir da identificação das regiões prioritárias, foram selecionadas oito microrregiões para uma análise mais detalhada dos problemas enfrentados nas estradas vicinais e da realidade vivenciada pelos produtores rurais. Durante o trabalho de campo, mais de 1.200 quilômetros de estradas foram percorridos e 150 produtores rurais e gestores municipais das áreas de infraestrutura e agricultura foram entrevistados. O estudo abrangeu microrregiões situadas na Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Paraná, permitindo identificar os principais gargalos logísticos e reunir subsídios técnicos para a formulação de propostas de melhoria da malha vicinal. A pesquisa de campo identificou graves desafios de gestão na manutenção das estradas vicinais, marcados por limitações orçamentárias diante de uma malha extensa, dependência de repasses estaduais e federais, frota de máquinas obsoleta, falta de planejamento técnico e coordenação entre secretarias, além de dificuldades logísticas e de acesso a insumos, escassez de mão de obra qualificada e fortes heterogeneidades regionais que agravam as disparidades na infraestrutura rural do país.

Ao comentar os resultados do levantamento, a assessora técnica da CNA, Elisangela Lopes, destaca a relevância do estudo para o planejamento da infraestrutura rural brasileira. “Esse estudo mostra, de forma inédita, a real situação das estradas vicinais, que são essenciais para a logística da produção agropecuária. Com base em critérios técnicos, conseguimos propor soluções práticas e criar o Ipev, que ajuda a priorizar investimentos e orientar políticas públicas em todos os níveis de governo. A ideia é usar melhor os recursos, capacitar os gestores locais e integrar a mobilidade rural às estratégias nacionais de infraestrutura”.

Principais impactos das estradas vicinais

Estima-se que as condições precárias atuais das estradas vicinais gerem R$ 16,2 bilhões anuais em custos de transporte para o escoamento da produção agropecuária. Esses custos, hoje inevitáveis, poderiam ser significativamente reduzidos com intervenções adequadas na malha vicinal, resultando em ganhos operacionais e logísticos de até R$ 6,4 bilhões por ano a partir de melhorias. Por exemplo, a melhoria das condições viárias poderia representar reduções anuais superiores a R$ 2,3 bilhões no transporte de cana-de-açúcar, R$ 2,1 bilhões na movimentação de grãos e cerca de R$ 1 bilhão no escoamento da produção animal, evidenciando o impacto direto da infraestrutura rural sobre a competitividade do agronegócio.

Outro impacto importante está relacionado às emissões de dióxido de carbono (CO₂) diretamente no transporte. Os caminhões que atualmente trafegam nessas estradas emitem 3 milhões de toneladas de CO₂ por ano, quantidade que poderia ser reduzida em mais de 30% após melhorias nas vias, permitindo maior fluidez e eficiência energética da frota.

Onde investir e quanto custa?

A pesquisa dimensionou os recursos necessários para sanar o problema das condições precárias das estradas vicinais em diferentes cenários e regiões a partir de dados primários e secundários. Ao contrário do que poderia parecer a solução mais óbvia, o estudo não propõe pavimentar a malha vicinal. As análises indicam 177 microrregiões altamente prioritárias para ações de melhoria das condições estradas de terra. Os investimentos necessários variam de R$ 4,9 bilhões a R$ 22,7 bilhões, e são decorrentes das ações de engenharia adotadas (de um padrão mínimo, envolvendo nivelamento do solo e material de cobertura, até um padrão superior, com projeto técnico mais robusto, incluindo preparo da base, abaulamento e sistemas de drenagem), e também da estrutura atual da estrada (de vias mais simples e estreitas, até estradas mais largas, permitindo passagem de dois veículos de grande porte simultaneamente).

Os resultados do estudo oferecem subsídios para políticas públicas, orientando o desenvolvimento de projetos prioritários e fomentando iniciativas de inovação tecnológica, com suporte técnico, maquinário especializado e equipes capacitadas. Ao fazer um diagnóstico das condições das estradas e apontar as microrregiões prioritárias para investimentos, o estudo direciona a utilização de recursos públicos escassos para regiões que apresentam, simultaneamente, grande vulnerabilidade de infraestrutura, elevada demanda por acessibilidade da população e grande volume de produção agropecuária. É uma ferramenta que auxilia a gestão pública e otimiza o uso do recurso para regiões cujos impactos positivos são mais amplamente percebidos.

“Durante a pesquisa, ficou evidente que a falta de planejamento e a limitação de recursos — sejam orçamentários, técnicos, operacionais ou de maquinário — continuam sendo obstáculos reais para os gestores públicos que buscam melhorar as estradas vicinais. Nesse contexto, o Ipev surge como uma ferramenta prática e transparente, capaz de orientar o planejamento, otimizar investimentos e gerar resultados concretos na vida de quem produz e vive no campo — fortalecendo o desenvolvimento local e a competitividade do agronegócio brasileiro”, destaca a pesquisadora do ESALQ-LOG, Daniela Bartholomeu.

Texto: Amanda Wendland, do Grupo ESALQ-LOG (05/11/2025)