Uma bomba relógio com metais pesados continua ameaçando o estuário do Rio Doce, mesmo após dois anos e meio do vazamento de 50 milhões de m3 de rejeitos de mineração do reservatório da Samarco, localizado no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG).
Esse é o resultado de um estudo desenvolvido em parceria por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“A ideia era de que a maior parte daquele material liberado após o acidente ficasse nas proximidades da barragem e do município de Mariana. No entanto, a lama chegou à Regência, uma vila localizada no litoral do Espírito Santo, região importante ecologicamente, com intensa atividade de pesca e turismo, onde o Rio Doce deságua”, lembra Tiago Osório Ferreira, professor do departamento de Ciência do Solo.
Segundo o estudo, o rejeito continua chegando ao estuário e o material em questão está associado a metais pesados que correm o risco de serem liberados no ambiente. “Em função das condições locais de solo, esses metais podem, a médio ou longo prazo, serem biodisponibilizados”, complementa o docente.
Parte desse estudo foi publicado pelo pesquisador Hermano Queiroz, doutorando do programa de pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas, da Esalq. Queiroz identifica alguns dos metais encontrados. “Identificamos cobre, manganês, zinco, cromo, cobalto, níquel, chumbo todos eles associados ao rejeito”.
A disponibilização de metais pesados, em um sistema estuarino pode resultar em novo desastre. “Alguns desses metais são tóxicos e podem se acumular em plantas e peixes acarretando efeitos potencialmente nocivos sobre a fauna e a flora associada a esse ecossistema”, aponta o professor Tiago.
Níveis tóxicos – Os pesquisadores alertam ser perigoso considerar apenas os patamares atuais de contaminação. “Olhando para os níveis de contaminação de hoje, apenas o níquel e o cromo, entre os metais analisados, estão em níveis superiores ao permitido pela legislação brasileira. No entanto, essa visão estática não acompanha a dinâmica da movimentação do material que segue em direção ao estuário periodicamente, por exemplo, cada vez que chove mais rejeito é depositado”, alerta Queiroz.
Além disso, considerar os índices totais de contaminação mascara o fato do rejeito rico em ferro ser uma fração instável, podendo ser solubilizado e facilitar a liberação dos metais pesados. “Os oxihidróxidos de ferro, nas condições de solo estuarino, são susceptíveis a dissolução, o que poderá aumentar a biodisponibilidade e o risco de contaminação por metais”, alerta Hermano Queiroz.
O estudo faz parte do projeto Rede SoBEs RIO DOCE - Rede de Solos e Bentos na Foz do Rio Doce, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES), e pode ser lido, na íntegra, em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969718315547. Sob solicitação, os resultados foram apresentados ao governo do Estado do Espírito Santo.
Texto: Caio Albuquerque (18/07/018)