Do inseto à planta: Bactérias Associadas a insetos como ferramenta para uma agricultura sustentável
Para entender o papel dos microrganismos de insetos, principalmente aqueles associados a lagarta-de-cartucho, uma das principais pragas da cultura do milho, na interação planta hospedeira, foi o que levou Diandra Achre a se aprofundar nos estudos sobre esse efeito.
A motivação da pesquisadora surgiu a partir do seguinte questionamento: “Você já parou para pensar que o nosso corpo é um verdadeiro ecossistema? Somos habitados por trilhões de microrganismos que vivem conosco desde que nascemos. Eles nos ajudam a digerir alimentos, fortalecem nosso sistema imunológico, protegendo contra doenças, e até influenciam o nosso bem-estar. Ou seja, não vivemos sem eles. Com os insetos não é diferente. Eles também carregam consigo uma comunidade diversa de microrganismos como bactérias, fungos e vírus, que desempenham funções essenciais influenciando seu crescimento, alimentação e até na forma como interagem com as plantas, que muitas vezes são seu principal alimento”, inicia Diandra.
Durante seu mestrado, a pesquisadora começou a investigar o que acontecia quando um grupo de bactérias associadas a insetos foram inoculadas na planta de milho. Descobriu-se que algumas dessas bactérias, ao colonizarem os tecidos das plantas, assumem funções completamente diferentes. Aquilo que antes beneficiava o inseto, agora passa a favorecer a planta: ajudando o milho a crescer mais saudável e, ao mesmo tempo, fortalecem sua capacidade de defesa contra pragas e doenças. É como se a planta ‘aprendesse’ a se defender ao reconhecer pistas associadas ao seu agressor.
“Essas bactérias aumentam a resistência sistêmica da planta, reduzindo o consumo e o desenvolvimento da lagarta-de-cartucho, chegando ao ponto de causar a mortalidade total das larvas. Isso mostra que a planta, ao se associar a essas bactérias, passa a responder mais rápido e de forma mais eficiente ao ataque da praga, produzindo compostos de defesa que normalmente estão ausentes ou são produzidos em baixa abundância nas plantas não inoculadas”, explicou.
Com base nesses resultados, já no doutorado, Diandra decidiu investigar mais a fundo, buscando entender como essas bactérias modulam a fisiologia da planta e influenciam suas interações com outros organismos, como pragas e doenças. Para isso, foram analisadas alterações metabólicas, genéticas e bioquímicas nas plantas que se alimentaram dessas plantas. “Utilizamos abordagens avançadas de biologia molecular e química, com o uso de ferramentas das ômicas. Essas técnicas permitiram mapear a ativação de genes, a produção de proteínas, modulação de metabólitos e a emissão de compostos de voláteis relacionados às vias de defesa da planta. Além da resposta às pragas, também exploramos o potencial dessas bactérias simbiontes em auxiliar o sistema imune da planta contra doenças como o enfezamento do milho, um patógeno agressivo transmitido por outro inseto, a cigarrinha do milho”, destacou a pesquisadora.
O objetivo de tudo foi compreender, de forma ampla e integrada, como as interações planta – inseto – simbiose – patógeno desencadeiam às respostas biológicas encontradas, e como essas relações podem ser exploradas para o desenvolvimento de novas tecnologias de baixo impacto ambiental, que aumentam a produtividade agrícola e fortaleçam a saúde das plantas cultivadas.
Benefícios
Além das descobertas científicas, o projeto também trouxe impactos práticos e perspectivas promissoras para o setor produtivo. A pesquisa oferece alternativas sustentáveis e inovadoras para o controle de pragas e fitopatógenos, reduzindo a dependência de defensivos químicos e contribuindo para uma agricultura mais segura e ambientalmente responsável. Ao utilizar bactérias simbiontes como bioinsumos, é possível modular a fisiologia da planta, estimulando o crescimento vegetal, fortalecendo as defesas naturais contra pragas e doenças agressivas da cultura do milho e, consequentemente, aumentando a sua produtividade. Essa abordagem pode resultar em sistemas de cultivo mais resistentes e eficientes, atendendo as demandas da agricultura moderna.
Além dos benefícios imediatos no campo, o estudo também permitiu a identificação de genes, proteínas e vias metabólicas ativadas pela interação com os simbiontes. Esses achados oferecem base para o desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas, com potencial aplicação em programas de melhoramento genético ou edição genômica.
Assim, os microrganismos simbiontes investigados se configuram não apenas como agentes biológicos funcionais, mas como ferramentas biotecnológicas de alta precisão, com potencial para transformar estratégias de manejo agrícola e ampliar as fronteiras da inovação e da sustentabilidade no setor.
“Além dos resultados científicos, destaco o caráter interdisciplinar e formativo do projeto, que integrou conhecimentos de microbiologia, entomologia, genética e fisiologia vegetal. Conduzir uma pesquisa com essa complexidade nas interações biológicas e com os resultados encontrados, ampliou minha visão com pesquisadora”, finalizou.
O projeto foi conduzido no Laboratório de Interações em Insetos, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq, sob supervisão do Prof. Fernando Luís Consoli. Além disso, parte do projeto foi conduzido em colaboração com o Laboratório de Genética e Melhoramento de Plantas, do Depto. de Genética da Esalq, coordenado pelo Prof. Carlos Alberto Labate, com o Laboratório de Espectrometia de Massa Aplicada a Produtos Naturais, do Depto. de Química da FFCLRP/USP, coordenado pelo Prof. Luiz Alberto Beraldo Moraes; e com o Laboratório de Insetos Vetores de Fitopatógenos, coordenado pelo Prof. João Roberto Spotti Lopes, também do Depto. de Entomologia e Acarologia da Esalq.
Agências de Fomento
O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Texto: Alicia Nascimento Aguiar | MTb 32531 | 23.04.2025