Os animais desempenham um papel importante na manutenção das nossas florestas tropicais. A maior parte das plantas (cerca de 90%) dependem dos animais para efetuar a dispersão das suas sementes. Sem esses animais, todos os frutos produzidos cairiam sob a árvore e morreriam por competição ou predadas por roedores ou insetos.
Entretanto, na Mata Atlântica os grandes frugivoros (como são denominados os animais que se alimentam de frutos) estão desaparecendo principalmente pela perda de hábitat, o que pode comprometer esse importante serviço ecológico promovido por eles: de dar continuidade a floresta, carregando as sementes para diversas áreas e promovendo a germinação de plantas.
Em um artigo recém publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores do Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação da Fauna Silvestre (LEMaC) - ESALQ, da UNESP, UFSCar e do Instituto de Ecología A.C. (INECOL) do México, verificaram quais mamíferos e aves estariam removendo frutos em distintas áreas de Mata Atlântica no estado de São Paulo. Para isso, instalaram cameras fotográficas sob árvores com frutos, em seis unidades de conservação, entre os anos de 2015 e 2018. (OUÇA O PODCAST COM A PESQUISADORA).
Pesquisadora Daiane Carreira instalando uma das cameras fotográficas no Parque Estadual de Intervales. Na área de projeção da câmera estão os frutos de palmito-juçara (Euterpe edulis). Foto de Dudu Coladetti.
Com os dados coletados, os pesquisadores construíram redes de interação – uma demonstração gráfica de quais mamíferos e aves estão interagindo com os frutos. No geral os pesquisadores encontraram que a organização dessas redes de interação não ocorre de maneira aleatória, uma vez que todas elas apresentaram um padrão conhecido como “modular”. “Isso indica que independente do grau de conservação dessas florestas, a organização dessas redes de interação segue a mesma regra, na qual algumas espécies de plantas interagem com grupos específicos de animais”, mencionou o Dr. Wesley Dátillo, pesquisador brasileiro e um dos autores do artigo, que trabalha em um instituto de pesquisa sobre ecologia no México há 8 anos.
As câmeras registraram também a visita de 104 espécies entre aves (57,6%) e mamíferos (42,4%), mas apenas uma pequena parte desses visitantes (5%) consumiram ou removeram frutos. A maior parte da frugivoria ocorreu em áreas bem conservadas, onde ainda estão presentes os grandes mamíferos (63,5%), como os Parques Estaduais de Intervales ou Carlos Botelho, o que já era esperado. A novidade entretanto, foi encontrar que mesmo em áreas onde as espécies grandes como as antas, veados, catetos e queixadas ainda estão presentes, a maior parte da remoção dos frutos (72%) foi realizada por pequenos roedores e aves. Segundo o professor Dr. Alexandre Percequillo, especialista na taxonomia de pequenos mamíferos e um dos autores do estudo, os pequenos roedores, como os esquilos, ratos-do-mato e ratos-de-espinho, representam o grupo mais diversos de mamíferos em todos os biomas brasileiros, com dezenas de espécies, entretanto os papeis ecológicos que estas espécies desempenham ainda não são muito claros.
“O presente estudo lançou uma luz nesta questão e mostrou que estes pequenos animais desempenham um importante papel na frugivoria, tendo uma contribuição significativa no uso de frutos tanto em termos de diversidade de espécies quanto em número de interações. O que sugere que esta diversidade taxonômica deve estar expressa em uma ampla diversidade de processes ecológicos (e não apenas na frugivoria), nos quais estes pequenos atores devem ter papeis principais e não apenas secundários”. Dr. Alexandre Percequillo.
Se os pequenos ratos foram os atores principais do estudo, a baixa atividade dos grandes mamiferos removendo frutos, chamou a atenção:
“Parece que estamos perdendo o papel funcional dos frugivoros de grande porte e isso pode causar vários impactos na estrutura da floresta. Imagine quantas sementes uma anta pode carregar e a que distancias ela pode percorrer – em outras palavras, quantas árvores ela pode semear! Além disso, algumas plantas com sementes grandes precisam obrigatoriamente de animais grandes para a sua dispersão. Com certeza a qualidade e a quantidade das sementes que poderão ser dispersas será afetada”, explica a Dra. Daiane Carreira, pesquisadora que liderou o estudo.
“O estudo revela um importante papel funcional da fauna de mamíferos e aves para a manutenção de nossas florestas, com destaque para os pequenos mamíferos, e enfatiza a necessidade de maior entendimento dos impactos da ausência dessas espécies e dos serviços prestados por elas para a qualidade dos ecossistemas e bem-estar humano, destaca a Dra. Katia Ferraz, pesquisadora da ESALQ (Universidade de São Paulo), orientadora do estudo.
O artigo está disponível em https://www.nature.com/articles/s41598-020-67326-6
Para acessar a reportagem publicada na Nature Research: https://natureecoevocommunity.nature.com/posts/the-little-frugivores-that-run-a-threatened-tropical-rainforest
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