Qualidade na feira

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Feira do produtor rural realizada em Rio Claro (Fabricio Ferreira - Assessoria Prefeitura Municipal de Rio Claro)
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A busca por melhor qualidade de vida passa, necessariamente, por mudanças de hábitos alimentares. O comportamento do consumidor em termos de suas escolhas de compra, preparo e manutenção de dietas saudáveis pode desempenhar papel considerável para a realização de esforços dos produtores com vistas a uma produção mais atenta à saúde e ao meio ambiente, em particular com relações de maior proximidade, o que favorece uma oferta moldada constantemente ao gosto do freguês.

As concepções de qualidade dos alimentos, mais especificamente no âmbito dos mercados de proximidade, no caso, as feiras dos produtores, são o tema de uma pesquisa de mestrado realizada no programa de pós-graduação interunidades (Esalq/Cena) em Ecologia Aplicada, da USP em Piracicaba.

“Esse estudo teve como referência uma mudança recente no setor agroalimentar, identificada principalmente entre países europeus de uma virada para a qualidade, o quality turn, o qual expressa uma crítica estética que se opõe à padronização do consumo. Trata-se de uma mudança fundada em princípio ecológico que se desenha contra os impactos gerados pela Revolução Verde”, comenta a cientista de alimentos Manuela Silva Silveira, autora do estudo.

Com orientação do professor Paulo Eduardo Moruzzi Marques, do PPGI em Ecologia Aplicada, Manuela analisou dois estudos de caso de mercados de proximidade, identificando como estão organizados e quais são os valores de qualidade dos alimentos neles atribuídos. “Com o mesmo intuito, analisamos as normas jurídicas que incidem sobre os dois casos, a partir do Sistema de Inspeção Municipal (SIM)”.

A pesquisa observa um renascimento das feiras, seja por um fortalecimento da importância daquelas já existentes, ou pela criação de novas na região da aglomeração urbana de Piracicaba.

“Os mercados de proximidade estudados, no caso as feiras de produtores de São Pedro e Rio Claro, representam espaços que permitem a construção de novas concepções em relação à qualidade dos alimentos”.

Segundo Manuela, a relação de venda direta, com o contato entre produtor e consumidor, é o elemento chave para a construção desses novos referenciais, que se pautam principalmente numa relação de reciprocidade. “Assim, para além da troca econômica, esses mercados tendem a associar uma troca material a uma relação humana específica. Essa relação direta, por um lado, evidencia ao consumidor as múltiplas variáveis contidas na produção de alimentos, permitindo que este ator realize seu próprio processo de qualificação, a partir de sua formação e informações inferidas dessa troca”.

Através da proximidade com os consumidores, o produtor consegue transmitir informações sobre seu produto, exaltando seu modo de fazer, as dificuldades encontradas e superadas ou as características de sua terra. “No caso de São Pedro, encontramos uma ‘qualidade localizada’, onde a produção local, o conhecimento dos modos de fazer tradicionais, as receitas típicas e utilização de variedades nativas caracterizam a qualidade dos alimentos ofertados”.

De acordo com o estudo, trata-se de uma qualidade com grande ancoragem em convenções domésticas e ecológicas, na qual se misturam o cuidar da terra com a relação familiar. “Em Rio Claro, município com um perfil menos rural, ocorre um renascimento da produção local, tanto com produtores que sempre estiveram no setor quanto com ‘novos agricultores’. A qualidade encontrada ali é aquela de tipo especializada”. Neste caso, salienta Manuela, nota-se a diferenciação e valoração a partir da obtenção de selos de certificação, seja pelo Sistema de Inspeção Municipal, o qual certifica a produção artesanal, ou da certificação da produção orgânica. “Assim, a qualidade do alimento processado é garantida pela especialização dos produtos assegurada pelo SIM, implementado no município”.

Com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o trabalho reforça, o processo de reconexão entre pessoas, produto e lugar, dinâmica apontada como peça chave nos mercados de proximidade. “Assim conseguimos revelar o significado dessas iniciativas em seus contextos, que estabelecem novos paradigmas para a alimentação e para a relação entre ser humano, natureza, alimentos e mercados”.

Texto: Caio Albuquerque (22/02/2018)