O processo de compra e consumo de alimentos está condicionado, nos dias atuais, a um perfil de consumidor cada vez mais exigente. A busca por produtos que mantenham padrões de sabor, textura e propriedades nutricionais aceitáveis tem incentivado a indústria a inovar de forma constante.
A aproximação entre setor produtivo e comunidade científica tem resultado em trabalhos promissores nessa área e um deles acaba de ser finalizado no programa de pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
Imagine um hambúrguer. Saboroso, suculento e macio. E, acredite, mais saudável. Essa equação de relativa complexidade, parece estar solucionada a partir de um estudo de autoria da Tecnóloga em Alimentos Iliani Patinho. A pesquisa teve orientação da professora Carmen Josefina Contreras Castillo, do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição e resultou em um hambúrguer formulado com determinada espécie de cogumelo comestível, com teores de gordura mais baixos do que os oferecidos no mercado e, talvez o principal, preservando características sensoriais que atendem as demandas e exigências dos consumidores.
“A questão geral que guiou a pesquisa foi responder a pergunta: Qual é a melhor estratégia para desenvolver um hambúrguer com um perfil nutricional mais saudável?”, indica Iliani, que estruturou sua dissertação em três etapas.
Primeiro foi proposto avaliar o potencial uso do cogumelo Agaricus bisporus como antioxidante natural, substituto de gordura/sal e intensificador de sabor em hambúrgueres de carne bovina, considerando as propriedades instrumentais e sensoriais. Posteriormente, a pesquisadora investigou o efeito do cogumelo A. bisporus como substituto parcial de gordura em hambúrguer bovino, com intenção de analisar o impacto sobre as características físico-químicas, sensoriais e de textura. Finalmente, foi realizado um estudo para avaliar a representação social de hambúrgueres "tradicionais" e hambúrgueres elaborados com "cogumelos" usando a metodologia Associação Livre de Palavras. Para isso, a pesquisadora focou em dois fatores: consumidores de ambos os sexos (feminino e masculino) e consumidores com diferentes Índice de Massa Corporal (IMC). Neste contexto, surgiu a seguinte pergunta: os consumidores deste estudo têm representações comuns ou diferentes?
“Em suma, aplicamos um cozimento nos cogumelos A. bisporus e quantificamos a atividade antioxidante total. Após isso, avaliamos diferentes estratégias de reformulação de hambúrguer bovino, quais sejam redução de gordura/sal, adição de antioxidantes naturais, por meio da adição de A. bisporus, conhecido também como Champignon de Paris. A partir desse primeiro estudo, foram desenvolvidos novos produtos com diferentes teores de cogumelo cozido como substituto de gordura animal para investigar as propriedades físico-químicas, aceitação e perfil sensorial”, explica Iliani.
Resultados – As análises de laboratório e análises sensoriais indicaram que usar cogumelos como substitutos parciais da gordura parece a melhor estratégia do ponto de vista sensorial e instrumental. Foi confirmado que o uso do cogumelo para substituir a gordura animal em hambúrgueres bovinos é uma opção viável do ponto de vista tecnológico, nutricional e sensorial. “A formulação que continha 15% de cogumelo, ante 5% de gordura, apresentou a maior estabilidade oxidativa e retenção de umidade, menor teor de lipídios e perda de peso por cozimento resultando em um produto mais macio e com boa aceitação pelos consumidores. O perfil sensorial revelou que esses hambúrgueres foram percebidos pelos consumidores como salgados, suculentos, macios, saborosos e aromáticos”.
A estrutura da representação social foi construída por 209 consumidores com idade entre 18 a 61 anos. Neste caso, os consumidores tinham que escrever palavras, pensamentos ou sentimentos que viessem espontaneamente à sua mente diante da primeira imagem (hambúrguer "original"), os consumidores eram livres para usar as palavras que desejassem. Finalmente, a segunda imagem (hambúrguer "cogumelos") foi apresentada aos participantes e o mesmo procedimento foi realizado. “O uso de cogumelos refletiu uma condição de novidade e saudabilidade na percepção dos consumidores e os resultados indicaram que a possibilidade de introduzir cogumelos na mesa do consumidor brasileiro é tangível, uma vez que não se destaca a rejeição do produto”.
A pesquisa foi desenvolvida dentro do Grupo de Extensão, Qualidade e Processamento de Carnes e Grupo de análise sensorial e estudos com consumidores, ambos da Esalq. Para a condução do trabalho, Iliani contou com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apoio das empresas Zucca Cogumelos, VPJ Alimentos e Ibrac Aditivos e Condimentos. Parte do estudo está publicada na revista Food Production, Processing and Nutrition e pode ser conferida em https://fppn.biomedcentral.com/articles/10.1186/s43014-019-0006-3 .
Texto: Caio Albuquerque (28/04/2020)