Professor Roberto Thomaz Losito de Carvalho traz memórias da expansão de centros hípicos em Piracicaba e relembra as exposições e campeonatos equestres realizados no campus
Roberto Thomaz Losito de Carvalho nasceu em São Paulo, no ano de 1937. “Sou do bairro da Vila Maria e com oito anos fui matriculado no Colégio São Bento e lá fiquei até o último Científico [equivalente ao que hoje denominamos Ensino Médio]. Quando me formei eu não prestei vestibular, mas ingressei no CPOR/SP (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo) onde realizei o curso de Cavalaria nos anos de 1956-57”.
Conheceu a Esalq em 1957, por acaso a partir de uma excursão que seu antigo colégio em São Paulo fez para Piracicaba decidiu fazer Engenharia Agronômica no ano seguinte, chegando em Piracicaba no dia 2 de janeiro de 1958. “Vim de trem para Piracicaba e, como não conhecia ninguém, segui para o Centro Acadêmico da Esalq e tinha lá um famoso cuidador do centro, o Titico, que me orientou para que seguisse para uma pensão. E assim fui morar na Pensão do Labate, lá moravam diversos estudantes. Assim fiz o cursinho preparatório, oferecido aqui mesmo na Esalq, lá na Zoologia. Era oferecido pelos professores Jesus Marden dos Santos e Eneas Salati. Na sequência passei no vestibular e comecei a cursar Engenharia Agronômica no mesmo ano”.
Durante a graduação, conseguiu unir os conhecimentos adquiridos no CPOR/SP e aproximou-se do centro hípico que dava seus primeiros passos na Escola a partir de um projeto que nasceu fora da Esalq quase uma década antes.
“Se não me engano, em 1950, final da década de 1940, um grupo de alunos, junto com um professor, resolveram fazer na Esalq um grupo hípico. Eles então conseguiram uma área fora da cidade e os cavalos vieram da coudelaria de Colina[i], onde tem uma criação de cavalos muito grande da secretaria da Agricultura, que na época tinha como chefe um ex-aluno da Esalq, que ficou sabendo da ideia e forneceu 10 cavalos para o projeto, ou seja, esses cavalos foram os primeiros cavalos de hipismo que vieram para Piracicaba. Depois de alguns anos os alunos se formaram, o professor ficou sem matéria prima e os animais vieram para a Esalq, foram alocados próximos ao aviário e formaram o núcleo daquilo que viria a ser o centro hípico da Esalq”.
Cavalgadas - Durante as férias, ficava em Piracicaba e mantinha proximidade com os animais. “Eu montava quase todos os dias, sozinho ou acompanhado de amigos seguíamos para o bairro do Monte Alegre, onde era nosso passeio primordial. Na ida era muito agradável, mas na volta era uma aventura pois os cavalos disparavam para voltar para as baias e os colegas não eram equitadores, mas apenas curiosos em cavalos. Teve muita história dessa época”.
Já estava no terceiro ano e percebia que o interesse dos alunos para andarem a cavalo aumentava. “Solicitei ao professor Torres [Alcides Di Paravicini Torres], então catedrático da 13ª Cadeira, para organizar um curso com os alunos interessados. Ele me alertou que os cavalos não eram tão mansos, que poderia ser perigoso mas, enquanto conversávamos, um grupo de alunos chegou pedindo a liberação do curso e conseguimos. Assim no meu 3º e 4 º anos eu dava aulas para esses alunos”.
Formou-se em 1961 e seu primeiro emprego foi no Instituto Agronômica, mas não ficou muito por lá. “Então descobri a Coudelaria Paulista, de Colina (SP), me empenhei e consegui entrar lá para trabalhar no departamento de Produção Animal. É um lugar maravilhoso que funciona até hoje. Nessa época eu era noivo, vinha uma vez por mês para Piracicaba e então numa dessas vezes meu sogro me disse que havia um professor da Esalq me procurando porque precisava de alguém para auxiliar nas aulas de equinocultura. Assim fui convidado para começar a trabalhar na Esalq. Voltei imediatamente para Colina, pedi demissão e em 1963 dei início aos trabalhos na Escola. Fiquei responsável pelo setor de equinocultura”.
Nos primeiros anos da década de 1970, realizou seu pós-doutorado na Itália e, na volta, a estrutura organizacional na universidade havia se modificado. “Em 1972 voltei para Esalq, quando acabara de acontecer a reforma departamental na USP, colocando fim às cátedras. As Cadeiras foram extintas e reunidas em departamentos. Nascia a figura do Chefe de Departamento e o então Chefe, o professor Aristeu Mendes Peixoto, me explicou como tudo iria funcionar a partir dali, dizendo que as disciplinas haveriam de se sustentar economicamente. E na Itália eu vi muitos núcleos hípicos ativos, mesmo com estrutura reduzida. A USP havia criado os cursos de divulgação cultural para o público externo e assim eu passei a oferecer um curso de Equitação”.
Passou a escrever nos jornais sobre o universo do cavalo, o que auxiliou na popularização do curso de Equitação. “Tinha aula teórica no período noturno, prática durante às tardes, os alunos eram certificados. Foi aí que tive a ajuda do professor José Carlos Hebling, que trouxe o filho para aprender conosco. Ampliamos a estrutura, chegaram mais cavalos, contratamos professores de equitação e adestramento mais qualificados enquanto continuávamos a escolinha. Foi um crescimento tão grande que não tínhamos mais espaço. E o Hebling, que deve ter sido o primeiro personal training em Piracicaba, treinou o filho do Duvílio Ometto. E assim criaram a Sociedade Hípica de Piracicaba, lá na Rodovia do Açúcar. Então nosso curso daqui da Esalq foi transferido para lá. Mas o negócio foi superdimensionado e mostrou-se inviável financeiramente. Sobraram então os alunos que acabaram montando núcleos hípicos mais reduzidos pela cidade”.
Livro - Como docente, deu continuidade ao sistema de criação de cavalos adaptado às condições tropicais. “Tínhamos no Brasil basicamente dois tipos de criação de equinos, um modelo ainda sem muitos cuidados e outro mais sofisticado, com cavalos puro sangue ingleses, utilizados em corridas. E esse segundo modelo também trouxe para o Brasil, lá da Europa, técnicas de alimentação e outros quesitos empregados no manejo. Mas esse modelo europeu era muito caro. Então escrevi um livro propondo o Sistema Brasileiro de Criação de Equinos. A obra foi editada pela Globo e teve várias reimpressões. E nele aloquei aspectos mais relacionados à Zootecnia do cavalo, envolvendo o conteúdo de alimentação, sistemas de criação, instalação, equipamentos, viabilidade econômica, melhoramento e equitação. Teve uma aceitação muito grande da parte dos zootecnistas”.
Além da produção do livro, Losito de Carvalho se envolveu ainda na realização de eventos hípicos para estimular a atividade na cidade. “Realizamos quatro concursos hípicos, chamados Copa Dedini. Três dessas edições ocorreram no gramado ao lado do Edifício Central da Esalq e uma das edições, quando o professor Salim Simão[ii] era o diretor da Escola, foi realizado no gramadão central, em frente ao Edifício Central. Foi maravilhoso, as imagens são lindas e a cidade acompanhou, veio muita gente!”
Quando se aposentou, fora substituído pelo professor Claudio Maluf Haddad, que já havia contribuído na publicação do Sistema Brasileiro de Criação de Equinos. “Ele atuava com bovinocultura de corte, mas contribuiu sobremaneira no desenvolvimento do livro especialmente na parte de alimentação de volumosos”.
Na sequência, atuou como consultor na criação de haras adequados às condições brasileiras. “Esse sistema foi a base do desenvolvimento de 300 haras aproximadamente em todo país. Basicamente preconizávamos a eliminação dos confinamentos, o investimento em pastagens, criando construções que facilitavam o manejo, uma espécie de unidades de serviços. Viajamos o Brasil todo, desde a região Sudeste até a região Norte, lá nas proximidades de Belém (PA). Esse sistema foi muito bem aceito. Estava na hora de dar tempo a outras questões e assim minha missão foi cumprida”.
[i] A Coudelaria Paulista (Estação Experimental de Zootecnia) foi criada em 1935, visando fazer pesquisas e experimentações sobre bovinos e equinos e para cultivar pastagens e plantas forrageiras para a alimentação dos animais
[ii] Salim Simão foi diretor da Esalq no período de 1974-1978
Entrevista concedida a Fabiano Pereira
Texto: Caio Albuquerque
10/02/2022