A crescente tendência de "fuga de cérebros" entre profissionais brasileiros qualificados ganha destaque em uma nova pesquisa desenvolvida no programa de pós-graduação em Administração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). A dissertação, que considera dados de 2015 a 2020, examina os motivos por trás dessa migração e os desafios enfrentados pelos brasileiros mundo afora.
De autoria do economista Guilherme de Souza Campos Portugal Santos, a pesquisa contextualiza o fenômeno em meio a um período de instabilidade política e econômica no Brasil, no qual políticas e programas de incentivo à formação universitária e em ciência e tecnologia foram descontinuados. Ao contrário da atenção limitada que o tema recebeu até agora nas universidades, este estudo busca entender a fuga de cérebros a partir de uma abordagem qualitativa, dando voz aos emigrantes e explorando suas motivações, experiências e desafios.
Com base em entrevistas semiestruturadas e na técnica da "análise de conteúdo", o pesquisador conversou com brasileiros que estão morando atualmente em países como França, Alemanha, Estados Unidos, Irlanda do Norte, Reino Unido, Portugal, Hungria, África do Sul, Emirados Árabes, Bélgica e Austrália.
Padrão de vida – Os resultados revelam que a principal motivação para a emigração é o desejo de alcançar um melhor padrão de vida, caracterizado pelo maior poder de compra da remuneração no exterior e pelo equilíbrio entre trabalho e tempo livre. Isso proporciona aos emigrantes uma sensação de segurança financeira, física e psicológica nos países de destino.
No entanto, os desafios não são negligenciados. A intolerância, a xenofobia e as dificuldades de adaptação cultural surgem como obstáculos significativos para os emigrantes. Além disso, muitos entrevistados destacam a superioridade do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro em comparação com o acesso à saúde nos países estrangeiros.
Cérebros x braços – Segundo o autor da pesquisa, na perspectiva dos profissionais entrevistados encontram-se categorias que corroboram com a predominância dos estudos sobre o tema, como ganhos socioeconômicos e um aumento nos níveis de renda, chamada aqui de “realidade de cérebros”. Também encontra-se outros aspectos, que fogem do mais usual dentro da teoria do brain drain e da decisão de imigração, revelando uma sensação de maior respeito à “dignidade” mesmo em experiências profissionais não qualificadas nos países de destino quando comparadas às experiências profissionais qualificadas vividas no Brasil, chamada aqui de “realidade de braços”.
“Ou seja, há uma parcela de “cérebros” que se submete à categoria de “braços” em sua nova jornada profissional, como apresentado por 43,5% dos entrevistados”, complementa Guilherme.
É o caso de uma das entrevistadas (os nomes são preservados) que, apesar do seu Mestrado em Literatura, atuava na época da entrevista trabalhando como repositora de supermercado na Irlanda do Norte. Segundo ela, sua nova vida lhe dava a chance de equilibrar seu tempo e preservar a saúde. “Posso resumir [sair do Brasil] em uma expressão só, ‘falta de perspectivas’. E com toda essa falta de perspectiva começou a adoecer fisicamente e mentalmente... o que fez a gente se mover”.
“Essa realidade aponta para um panorama complexo, pois é visível uma capacidade produtiva e intelectual ímpar subutilizada na sociedade brasileira, levando à desistência de sonhos, talentos e carreiras, traduzido por um “brain waste”, ou seja, um desperdício de talentos”, reforça Guilherme Portugal.
A falta de perspectiva, aliás, é destacada na fala da maioria dos entrevistados como razão maior da fuga para o exterior.
Uma das entrevistadas é uma cientista que, na época que conversou com o pesquisador, já estava na Holanda há 1 ano e meio. Ela conta que o que motivou a sair do Brasil foi a falta de perspectiva. “O que me motivou foi que quando eu comecei o doutorado, em 2017, houve muitos cortes, e vi a decadência da pesquisa, a indústria também não é como no exterior, e eu queria desenvolver algo novo, e comecei a ver falta de possibilidade de liberdade de pensamento para desenvolver alguma coisa nova”.
Para o autor da pesquisa, essas descobertas fornecem insights valiosos sobre um fenômeno complexo e multifacetado. “Compreender as motivações e os desafios dos emigrantes qualificados brasileiros é fundamental para formar políticas públicas e estratégias de retenção de talentos”, afirma o pesquisador.
Para a realização da pesquisa, o autor recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo contou com orientação da professora Eliana Terci, do departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq.
Dados – De acordo com a dissertação defendida na Esalq, a plataforma online “Diáspora Científica do Brasil” realizou um levantamento de dados contabilizando 1.487 cientistas brasileiros desenvolvendo pesquisa em mais de quarenta países, sendo EUA, Canadá, Alemanha e Reino Unido os mais expressivos na contagem. Já o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2023) estima que 6,7 mil cientistas deixaram o Brasil nos últimos anos.
Texto: Caio Albuquerque (28/3/2024)