A crise hídrica é motivo de grande preocupação dos brasileiros, principalmente no Estado de São Paulo. Muitos pesquisadores acreditam que parcela significativa da responsabilidade pela falta de água se deve ao manejo inadequado do solo e à erosão, pois esses processos acabam destruindo nascentes e prejudicando a recarga dos lençóis freáticos, que alimentam os rios.
Em Piracicaba, é possível perceber essa relação no rio que dá nome ao município. O Rio Piracicaba tem demonstrado vazão inconstante, enchendo durante as chuvas e esvaziando poucos dias depois. “Esses picos de vazão são típicos de processos muito rápidos de chegada de água, que escorre pela superfície e carrega contaminantes e sedimentos para o rio. A água não tem infiltrado no solo como deveria para fazer a recarga dos rios e não mantém um nível adequado de água”, afirmou o professor Miguel Cooper, do Departamento de Ciência do Solo, que coordena a disciplina de manejo e conservação de solo desde 2004.
De acordo com Cooper, existe no Brasil um descuido geral em relação ao solo, devido ao manejo inadequado e má conservação, processos de degradação e falta de proteção aos mananciais e nascentes, além do agravante da falta de chuvas. “As pessoas acham que este é um recurso infinito, mas não é e, em Piracicaba, há processos erosivos muito graves que afetam os cursos da água”.
Esse bem natural é tão importante que está ligado à produção de alimentos, biomassa, energia e até a construção de casas e prédios. “O solo é um dos componentes vitais e não renováveis do nosso planeta. Ao todo, 99% dos nossos alimentos vêm dele e por isso precisamos aprender a conservá-lo”, afirmou Cooper. “O solo tem uma função extremamente importante na purificação da água e no volume dos ciclos hidrológicos. Comprometer esse recurso é comprometer a capacidade da agricultura de suprir o homem e de conservar o meio-ambiente”, complementou o professor Gerd Sparovek, também do Departamento de Ciência do Solo.
Um estudo desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas tem o objetivo de avaliar o efeito de diferentes larguras de mata ciliar na dinâmica de sedimentos oriundos de áreas agrícolas e considerar o quão eficientes são essas matas na retenção dos sedimentos. A pesquisa tem a orientação do professor Cooper, com autoria de Raquel Boschi. “O estudo começou em junho deste ano e as alterações referentes às Áreas de Preservação Permanente (APPs) previstas na nova versão do Código Florestal (Lei 12.651/2012), que modificam a largura das matas, foram a motivação do trabalho”, conta a pesquisadora. “A proposta é identificar a quantidade e o padrão de deposição dos sedimentos dentro da mata ciliar. As atividades desenvolvidas até o momento foram de análise exploratória dos possíveis locais onde o projeto será implantado, e o projeto deve ser finalizado em maio de 2017”, complementa.
Manejo – O manejo de solo envolve, ainda, a aplicação de tecnologias, com qualidade e sustentabilidade, considerando a cultura agrícola empregada em cada caso específico e com o objetivo de evitar perdas por erosão. “Este é o principal processo que pode fazer com que o solo seja degradado e perca sua funcionalidade no ambiente, além de poluir. E, para conservar o solo, procuramos entender e controlar esse processo”, avalia Sparovek. A erosão, segundo o docente, pode ser causada por muitos fatores e as alternativas de controle dependem de onde ela é formada. Um solo saudável, para o professor, é aquele em que se pode assegurar a capacidade de produção e que contribua para o ciclo hidrológico. “A maior parte da erosão aparece de forma gradativa, quase imperceptível. São milímetros de solo removidos a cada evento de precipitação. Para medir esse tipo de processo é utilizada a modelagem e a correção é feita principalmente por cobertura de solo. Já as grandes erosões dependem da identificação do porquê ocorreram, de máquinas para correção e de sistematização”, explica Sparovek.
Renata Bovi é doutoranda em Solos e Nutrição de Plantas, com ênfase em Conservação de Solos, também orientada pelo professor Cooper, e está desenvolvendo pesquisa que trata da gênese de feições erosivas superficiais e subsuperficiais e da utilização da técnica da dendrogeomorfologia para a datação dos processos erosivos. Ela está utilizando a espécie Esenbeckia leiocarpa, conhecida como Guarantã, para aplicar o estudo. “Estamos coletando raízes expostas e caule, além de solos para posterior análise laboratorial. O objetivo é inferir a taxa de perda de solo da área de estudo, localizada na Estação Experimental de Tupi”, revela a pesquisadora.
Desafios – Está claro que a atuação do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ tem relação direta com a agropecuária. O professor Jairo Mazza explicou, no entanto, que a fragmentação da ciência do solo não se traduz em uma atuação no propósito de unir essas informações em pacotes tecnológicos aplicados ao campo. “Os nossos pesquisadores exercem suas atividades focando em problemas específicos – são especialistas em determinados temas”.
Na conservação, como explica o professor Gerd, são trabalhados dois temas principais. O primeiro é a modelagem, que envolve equações matemáticas e estatísticas que utilizam variáveis e dados obtidos nos locais como relevo e cobertura de solo. Essas informações são convertidas em uma estimativa de erosão. A outra linha de pesquisa trata do entendimento do processo em si. “Na modelagem utilizamos modelos digitais de elevação para descrever o relevo e a forma das vertentes, dados de sensoriamento remoto para estimar a cobertura de solo com imagens de satélite e dados coletados junto a quem faz a produção agrícola para entender como ela está sendo feita. Todos esses dados interferem na quantidade de erosão”. Os temas são abordados com os alunos de graduação e pós-graduação, com estágios na área, e os agricultores recebem orientações para ajudar na produção. “Todos os alunos são formados com conhecimentos suficientes para entender o processo e promover as medidas necessárias no controle da erosão’, afirmou.
O Brasil, segundo Mazza, está em um nível muito elevado em relação ao desenvolvimento industrial, tendo expandido em área e tecnologia, nos últimos 30 anos. No entanto, a pesquisa anda atrás da produção, tentando apoiar e tirar dúvidas para o avanço. E dentro das grandes culturas, a cana de açúcar, passa por um momento de readaptação para as técnicas de conservação. “Existe uma mudança de uma era em que a base da conservação era a utilização de máquinas ou a queima, para um futuro em que as bases conceituais envolverão a cobertura vegetal e a época de plantio, por exemplo”.
Segundo Mazza, essa área de pesquisa e trabalho exige um profissional de conhecimento holístico, mas houve um desestimulo na formação de profissionais, pois os eventos mais problemáticos de conservação como a erosão do solo ocorrem em picos de precipitação que não podem ser incorporados em um modelo de previsão. O professor Cooper compartilha do mesmo pensamento. “O manejo e conservação de solo envolvem uma série de conhecimentos de vários profissionais. Não é uma área de especialização, mas de generalização em solo, e faltam pessoas na área”. Para o docente, há interesse dos alunos, mas é necessário incentivá-los e fazê-los se interessar mais pelo tema.
Geologia – Na próxima reportagem da série O Solo Nosso de Cada Dia, o tema será geologia e e as contribuições do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ nessa área.
Alessandra Postali – estagiária de Jornalismo | Revisão: Caio Albuquerque | 19/11/2015