Um estudo desenvolvido na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq) pode romper com o paradigma de que cervejas de qualidade exigem leveduras oriundas de países onde a bebida é muito tradicional.
“A crescente demanda por cervejas especiais tem levado o setor a buscar inovações. No âmbito da fermentação, as leveduras constituem o ponto crucial, tanto no que se refere à resistência às condições do processo, permitindo um bom desempenho fermentativo, quanto no que tange à produção dos compostos relacionados ao aroma e sabor da bebida. Assim, a levedura pode ser um elemento chave para obtenção de um produto diferenciado”, comenta a biotecnóloga Renata Maria Christofoleti Furlan, que em seu doutorado selecionou leveduras brasileiras a partir da produção de bioetanol para a produção de cervejas especiais.
O estudo foi desenvolvido no programa de pós-graduação em Microbiologia Agrícola, com orientação do professor Luiz Carlos Basso, do Laboratório de Bioquímica e Tecnologia de Leveduras - Departamento de Ciências Biológicas, e coorientação do professor André Ricardo Alcarde, do Laboratório de Tecnologia e Qualidade de Bebidas – Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição.
“Existe neste mercado uma grande dependência por matéria prima importada. Isso ocorre com o malte, o lúpulo e também com a levedura. Praticamente todas as leveduras comercialmente disponíveis são de origem estrangeira, de países onde a bebida é muito tradicional como Alemanha, Bélgica ou EUA, por exemplo. Assim, há de certa forma um senso comum de que leveduras capazes de produzir cervejas de alta qualidade tem origem nesses locais”, aponta a pesquisadora.
O trabalho conduzido na Esalq vem a quebrar este paradigma. A partir de leveduras selecionadas na biodiversidade brasileira, foi possível identificar leveduras resistentes ao processo industrial de cerveja e que resultaram em bebidas com características diferenciadas de aroma e sabor que agradaram o paladar. “A biodiversidade brasileira tem um potencial enorme para se buscar novos microrganismos, e no nosso estudo as leveduras foram isoladas de processos de bioetanol, ambiente até então não explorado na busca de leveduras para o processo cervejeiro”, acrescenta o Prof. Basso. Em laboratório foram avaliados aspectos metabólicos, fisiológicos e tecnológicos, permitindo a seleção de leveduras Saccharomyces cerevisiae com atributos relevantes para o processo cervejeiro e com o potencial de produção de cervejas únicas e de alta qualidade. “As leveduras selecionadas são resistentes às condições estressantes da fermentação, sendo aptas para a elaboração de cervejas com maiores teores alcoólicos, além de serem resistentes a fermentações subsequentes, prática comum nas cervejarias. Os resultados também levam a crer que tais linhagens podem contribuir para a produção de cervejas especiais diferenciadas, com peculiaridades de sabor e aroma”.
Algumas das leveduras avaliadas proporcionaram notas a frutas passas, banana e especiarias, mostrando-se com potencial para a produção de cervejas com um bouquet mais complexo.
Renata lembra ainda que o perfil fisiológico, associado à aplicação tecnológica, abre portas para a utilização de leveduras brasileiras nos processos cervejeiros, podendo ampliar a gama de leveduras disponíveis para a produção de cerveja no Brasil. “O setor cervejeiro no país carece de leveduras próprias e estas linhagens, tipicamente nacionais, diminuiriam a dependência de leveduras importadas e permitiriam a regionalização do produto, enaltecendo o conceito de personalidade das cervejas especiais”.
Agora com pedido de patente já registrado no INPI, o trabalho está em fase de prospecção de negócios com auxílio da Agência USP de Inovação.
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Caio Albuquerque
Mtb 30356 | 04/12/2017