Quando pensamos na bacia do rio Amazonas, a maior do mundo, o que mais chama atenção são os grandes rios como o próprio Amazonas e seus tributários. Menos evidente é a importância das centenas de milhares de pequenos cursos d’água, regionalmente chamados de igarapés, que ocupam de maneira abrangente a paisagem amazônica.
Novo estudo publicado no periódico científico Journal of Applied Ecology traz à tona a importância dos igarapés em regiões de expansão agropecuária para a conservação da biodiversidade e mais, mostra que as leis ambientais brasileiras não os contempla de forma adequada. A pesquisa foi realizada em 83 pequenos igarapés (cerca de 3 m de largura) nos municípios de Santarém e Paragominas, no Pará, regiões com 60% de cobertura florestal mas, também, grande atividade agropecuária. Os autores do trabalho são da Rede Amazônia Sustentável (RAS), iniciativa que reúne mais de 30 instituições do Brasil e do exterior com o objetivo de subsidiar com informações científicas a conservação e o uso sustentável da terra na região.
O trabalho chama atenção para o fato de que os mecanismos legais que o Brasil dispõe não representam bem os igarapés. Por exemplo, no caso do Código Florestal, a legislação ambiental mais importante nas propriedades privadas, as áreas de preservação permanente (APPs) de mata ciliar têm como objetivo proteger os cursos d’água. Mas os impactos que acontecem além das margens dos igarapés e que não são previstos pela legislação também ameaçam a fauna de peixes.
”A conservação dos igarapés depende do bom funcionamento das microbacias hidrográficas das quais fazem parte. Ou seja, não apenas o desmatamento nas margens traz consequências aos peixes” conta Dra. Cecília Gontijo Leal primeira autora do estudo e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi em Belém. “As florestas mais afastadas das margens (reservas legais pelo Código Florestal) também são importantes, assim como outros impactos não mencionados no código, como as estradas de terra e a intensificação da agricultura” completa a autora.
Os resultados encontrados trazem algumas implicações importantes à implementação do Código Florestal. A lei permite que uma área desmatada em determinada propriedade seja compensada em qualquer lugar do bioma. Mas o estudo ressalta a importância da restauração acontecer localmente, seja pela recuperação em áreas altamente desmatadas, ou pela compensação fora da propriedade mas dentro da mesma bacia hidrográfica. Outro ponto levantado pelos autores é que o foco do Código Florestal nas APPs de mata ciliar não deve diminuir a necessidade de manter e restaurar a vegetação nativa em áreas mais distantes dos cursos d’água, ou seja, nas reservas legais.
O estudo aponta ainda que os igarapés em paisagens de floresta e agropecuária abrigam uma alta diversidade de peixes, sendo algumas espécies novas para a ciência e muitas delas raras, ou seja, apenas encontradas em baixo número de indivíduos ou em poucos igarapés. E mais, mostra que em uma mesma bacia hidrográfica, igarapés distantes poucas dezenas de quilômetros uns dos outros podem abrigar conjuntos de espécies bastante diferentes. Isso significa que manter alguns poucos igarapés dentro de unidades de conservação não é suficiente para proteger tamanha biodiversidade.
O professor Jos Barlow da Universidade de Lancaster no Reino Unido coautor do estudo explica ”As propriedades privadas têm um papel importante na conservação dos cursos d’água da Amazônia, já que as unidades de conservação não vão dar conta do recado sozinhas. É fundamental que a conservação dos igarapés seja também garantida além dos parques e demais reservas públicas”.
O professor Silvio Ferraz, do departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq) e também coautor acrescenta “Nossos resultados mostram que a integridade da microbacia depende uma estratégia de manutenção de parte de suas florestas e o correto planejamento da área agrícola. A conservação da água e do ecossistema aquático vai além da legislação, não há como compensar a degradação de um igarapé, conservando outro. É necessário uma visão sistêmica pois a água está por toda a paisagem”.
”Nosso conhecimento sobre ecossistemas tão emblemáticos da paisagem amazônica ainda é bastante limitado. Assim é fundamental contarmos com mais investimento na ciência e em estudos que avaliem as paisagens em grande escala nesse bioma de importância mundial” completa Dra. Cecília Gontijo Leal.
Uma versão oficial do artigo está disponível no site da Journal of Applied Ecology (http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2664.13028/full)