Em florestas tropicais como a Amazônia brasileira, o ecossistema não se limita apenas ao solo. O dossel, isto é, a alta camada de sobreposição de folhagens da copa das árvores, também é habitat de diversas espécies e naturalmente apresenta aberturas na sua estrutura. Essas aberturas no dossel, chamadas de clareiras, são importantes na regulação da dinâmica florestal, embora possam estar ligadas à degradação da floresta. Um estudo realizado por pesquisadores da USP mostrou que florestas em áreas degradadas apresentam clareiras maiores e em maior quantidade no dossel, quando comparadas às áreas sem indícios de perturbação antrópica (livres de alterações na dinâmica natural por ação humana).
Os dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também mostram que essa mesma alteração nas clareiras pode acontecer nas florestas não modificadas pelo homem, quando expostas a efeitos relacionados às mudanças climáticas.
As aberturas no dossel, geralmente provenientes da queda de árvores, regulam a dinâmica florestal, ao passo que possibilitam a entrada de luz no sub-bosque que, por sua vez, tem o desenvolvimento favorecido e garante a heterogeneidade e a biodiversidade da floresta. Entretanto, a ação antrópica pode alterar de forma preocupante essa dinâmica.
Para avaliar a ocorrência de clareiras em diferentes áreas da Amazônia brasileira, Cristiano Rodrigues Reis, engenheiro florestal e doutorando em Recursos Florestais pela USP, coordenou a pesquisa intitulada Forest structure and degradation drive canopy gap sizes across the Brazilian Amazon, disponível em preprint (ainda sem revisão de pares) em maio deste ano, na plataforma bioRxiv.
O estudo conta com orientação do professor Luiz Carlos Estraviz Rodriguez, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, colaboração do Laboratório de Ecologia Florestal e Conservação da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Os cientistas utilizaram dados do Inpe coletados através do escaneamento a laser, por meio do sensor remoto Light Detection and Ranging (Lidar), aerotransportado sobre a floresta. O retorno do laser emitido em 650 faixas de 375 hectares (300 metros x 12.500 m) em áreas aleatórias na floresta gera uma nuvem de pontos. Assim, foi possível quantificar e analisar as aberturas no dossel em uma dimensão espacial inédita para a região. “O modelo digital do dossel, com uma resolução tão elevada, permitiu mapear clareiras com grande precisão”, afirma o pesquisador.
Reis explica que, após mapear as clareiras, foi calculada a frequência das clareiras nas suas respectivas áreas para cada faixa e ajustada a função chamada Power-law, pela qual se obteve o coeficiente de escala da função que apresentou uma alta sensibilidade, a ponto de diferenciar as florestas intactas daquelas com indícios de perturbação antrópica, próximas a zonas de desmatamento (arco do desmatamento). Entre as métricas utilizadas, a função se destacou, o que reforça a importância de se obter esse parâmetro para estudos de clareiras, segundo o pesquisador.
Efeito contágio – Os resultados mostraram que as florestas com indício de perturbação antrópica apresentavam maior quantidade de clareiras e essas eram maiores, quando comparadas às florestas intactas, mais distantes das zonas de desmatamento. De acordo com o cientista, o que explica esse dado pode não ser apenas a retirada artificial das árvores para fins econômicos, mas também uma espécie de efeito contágio gerado pela alteração no ambiente dessas estruturas. “A abertura de clareiras e a ascendência do sub-bosque por quedas de árvores são naturais, mas é um processo lento e que modifica as condições microclimáticas do ambiente. Quando a abertura do dossel é forçada pelo homem, abrem-se grandes espaços rapidamente e a mudança drástica no ambiente favorece a morte das árvores ao redor, gerando um efeito cadeia”, completa.
Quanto às florestas sem indícios de perturbação antrópica, quando analisadas as estruturas dos dosséis e comparadas às variáveis ambientais de cada região, observou-se que maior fertilidade do solo, velocidade do vento, intensidade de queda de raios e déficit hídrico são fatores relacionados com um aumento, tanto em número como em tamanho, na abertura das clareiras. Com exceção da fertilidade do solo — que quanto maior, acelera a dinâmica florestal e logo, também a abertura de clareiras — os demais fatores preocupam os cientistas por estarem ligados às mudanças climáticas. Um exemplo é a mudança no regime de chuvas, que acentua o déficit hídrico e, consequentemente, a morte de árvores. “Se continuarmos neste ritmo de mudanças climáticas, as florestas sem perturbação podem apresentar clareiras semelhantes às modificadas pelo homem, sendo pouco diferenciadas”, afirma.
Os dados também revelaram que regiões com árvores maiores também possuem clareiras maiores, o que é explicado pela ausência da copa da árvore que veio ao solo, por exemplo, e pelo impacto que ela causa ao redor pelo seu tamanho. Além disso, dosséis mais altos apresentam um número menor de clareiras. Isso se dá, segundo Reis, pelo fato de que a vegetação do sub-bosque dessas áreas mascara a queda das árvores e, consequentemente, as aberturas.
“A distribuição de grandes clareiras no dossel florestal varia substancialmente ao longo da Amazônia brasileira. Os resultados deste trabalho mostram a importância de se calcular o coeficiente de escala para identificar áreas intactas e modificadas pelo homem”, completa.
Mais informações: e-mail cristiano.reis@usp.br, com Cristiano Rodrigues Reis
Por Guilherme Gama | Arte: Rebeca Alencar/Jornal da USP