

Maria Muniz e Maria Aparecida são donas de casa. Juntas, cuidam de uma área verde em frente onde moram, cerca de 10 km do centro da cidade de Piracicaba. Cultivam mais de 30 espécies de plantas, entre comestíveis, aromáticas e medicinais como guaco, óra-pro-nobis e melissa. Entre pés de graviola, limão, manga, mamão, além de bananeiras e goiabeiras, passam o dia cuidando das árvores, da horta e de canteiros de plantas ornamentais. “Eu morava em São Paula e nunca havia colocado as mãos na terra”, conta Maria Aparecida, enquanto rega suas suculentas. A vizinha, Maria Muniz, já viveu na roça, no sul de Minas Gerais. Meu marido era agrônomo, eu sempre gostei de lidar com plantas e hoje passo boa parte do meu dia por aqui”.
Além de consumo próprio, ambas compartilham os frutos da colheita com a vizinhança e podem ser classificadas com o perfil de forrageadouras, pessoas que exploram recursos alimentares. Na prática, eles ainda reconstroem uma relação com o ambiente urbano a partir do contato com a natureza e com alimentos cultivados de forma orgânica.
Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), uma pesquisa apresenta a proposta de repensar a relação das pessoas com o ambiente urbano e defende que essa aproximação pode ser uma das chaves para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e ampliar o acesso à alimentação. Realizada no Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais da Esalq/USP, o estudo tem autoria do engenheiro florestal Eduardo Ribas e orientação do professor Demóstenes Ferreira Silva Filho, do departamento de Ciências Florestais.
“Vivemos em um país majoritariamente urbano, e nosso estudo propõe pensar em como as árvores e plantas das cidades podem nos ajudar a lidar com adversidades climáticas e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso à alimentação é extremamente relevante”, afirma Ribas.
A pesquisa se desenvolveu em três etapas: uma revisão de estudos internacionais sobre o tema, uma pesquisa com mais de 300 moradores de São Paulo e entrevistas com servidores públicos das áreas de meio ambiente em diferentes níveis de governo.
Os resultados chamam a atenção. Mais de 60% dos entrevistados disseram já ter praticado o forrageamento, e cerca de 30% afirmaram fazê-lo para se alimentar.
Segundo Eduardo Ribas, há uma correlação direta entre renda e alimentação. Para famílias com menos recursos, coletar plantas pode ser um complemento importante. “Também percebemos que as gerações mais antigas carregam um conhecimento que está se perdendo nas cidades”, explica o pesquisador.
Para Ribas, o estudo aponta caminhos para a formulação de políticas públicas que incorporem o forrageamento urbano no planejamento das florestas urbanas, sem deixar de lado os desafios. Entre eles estão a falta de informação sobre espécies comestíveis e a necessidade de um plantio mais criterioso.
“A educação ambiental é fundamental. É preciso ensinar a população a reconhecer quais espécies podem ser usadas de forma segura e planejar o espaço urbano para que essas plantas estejam disponíveis sem gerar riscos”, defende.
O trabalho teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e dialoga com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o ODS 2 (“Fome zero e agricultura sustentável”) e o ODS 11 (“Cidades e comunidades sustentáveis”), além de atender demandas da FAO e da OMS sobre resiliência urbana.
“O forrageamento urbano é uma prática emergente no mundo e pode se tornar um aliado estratégico para cidades mais sustentáveis e resilientes. Nosso estudo mostra que as árvores podem oferecer muito mais do que sombra e beleza: elas também podem ajudar a colocar comida no prato das pessoas”, conclui Ribas.
Texto: Caio Albuquerque (18/9/2025)