Nesta terceira reportagem da série “O Solo Nosso de Cada Dia”, o foco é a área de microbiologia aplicada ao solo, que começou a expandir-se, na ESALQ, na década de 1980. Pouco antes, em 1976, foi criado o Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agrícola, que hoje está sob coordenação do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ. Uma das pessoas que tem atuação desde o início dessa área na instituição é a professora Elke Jurandy Bran Nogueira Cardoso. Formada em Engenharia Agronômica em 1964, a docente começou a lecionar na ESALQ em 1971, ainda no Departamento de Fitopatologia, onde descobriu sua paixão pela microbiologia. “Não gostava dos microrganismos que causavam doenças em plantas, mas sim daqueles que as ajudavam a crescer”.
Em 1984, Elke passou a integrar o corpo docente do Departamento de Ciência do Solo e foi lá que desenvolveu grande parte de suas pesquisas, além de lecionar disciplinas na graduação e na pós-graduação. “Na graduação introduzi a disciplina de biologia do solo, de espectro mais amplo do que a microbiologia, e conseguiu fazer com que esta disciplina viesse a se tornar obrigatória na Engenharia Agronômica aqui na ESALQ e em outras faculdades mais recentemente criadas”. Na pós-graduação, sua disciplina foi ampliada para Microbiologia e Biotecnologia do Solo. A área em que atua foi cada vez mais reconhecida e, hoje, o Departamento conta com três docentes que se dedicam a este tipo de estudos.
A docente relata ainda que o início da sua carreira coincidiu com uma grande procura por estudos microbiológicos do solo e começaram a deslanchar pesquisas relacionadas à fixação biológica de nitrogênio, às micorrizas, às bactérias promotoras do crescimento das plantas e suas interações, à ciclagem dos nutrientes minerais e solubilização de fosfatos, à diversidade das comunidades microbianas nos solos, à degradação de resíduos orgânicos, à ecofisiologia da rizosfera e a muitos outros aspectos.
Hoje, aposentada, a professora Elke continua intimamente ligada à instituição e ao universo microbiano, ainda como professora sênior da USP, mantendo seu laboratório, dando aulas na pós-graduação e orientando alunos de mestrado e doutorado. Mais de 100 artigos já foram publicados por ela e seus orientados, geralmente em revistas de prestígio internacional. “Muitas descobertas foram feitas e divulgadas, tendo ocorrido grande progresso no conhecimento da vida no solo, ligada ao manejo agrícola e florestal, sempre com ênfase na preservação ambiental e na sustentabilidade, na diminuição dos insumos e na saúde do solo. A vida microbiana é indispensável para que possa haver grande produtividade vegetal e os microrganismos trabalham a favor da agricultura, se soubermos usá-los”.
Micorrizas – E já que o assunto é o universo microbiano a favor do solo, as micorrizas – raízes que são modificadas pela invasão de fungos micorrízicos - não podem passar despercebidas. Afinal, exercem um papel extremamente importante. “Essas estruturas ajudam o solo a absorver mais nutrientes minerais e, principalmente em solos mais pobres, causam um grande efeito no desenvolvimento e na produtividade das plantas”. Segundo a docente, como grande parte dos solos brasileiros é pobre em nutrientes, de uma maneira geral, além de deficiente em fósforo, os fungos micorrízicos são uma ferramenta fundamental nos nossos solos tropicais.
“O Brasil é um dos poucos países que utiliza como única fonte de nitrogênio, em plantações de soja, a fixação biológica de nitrogênio, realizada por bactérias denominadas rizóbios. Estes são fornecidos ao agricultor na forma de inoculantes, preparados a partir de bactérias selecionadas, melhoradas e multiplicadas por pesquisadores”. Segundo a docente, esse método garante uma produtividade máxima, sem recorrer aos fertilizantes nitrogenados, insumos de preço elevado e que podem causar desequilíbrios ambientais. “Assim, o Brasil consegue uma economia de 15 bilhões de dólares por ano, a partir da não utilização de adubos nitrogenados na soja. Nenhum outro país conseguiu desenvolver este inoculante biotecnológico de uma maneira tão efetiva e, consequentemente, esses países dependem, ao menos em parte, desses fertilizantes”. Essa prática da inoculação das sementes de soja é responsável pelo fato de o Brasil poder competir com outros países que ainda não possuem essa biotecnologia tão aperfeiçoada em igualdade de condições.
Após anos de dedicação à microbiologia, ao solo e às pesquisas, dentro e fora da universidade, a professora faz um apelo à sociedade: “É necessário conhecer a importância do solo, propagar o uso de serviços ambientais e evitar o desmatamento. O ser humano continua se multiplicando em excesso e para alimentar a todos é preciso manter os solos vivos”.
Pós-graduação – O professor Fernando Dini Andreote coordena, atualmente, o Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agrícola e fala sobre as linhas de pesquisa e a atuação dos pós-graduandos nos projetos desenvolvidos. “Em relação à área de Microbiologia do Solo, que é uma das temáticas do programa, os estudos estão relacionados à Ecologia Microbiana ou à atividade de promoção de desenvolvimento vegetal que a vida do solo desempenha”, contou.
Assim como Elke, o Andreote reafirma a importância dos microrganismos para o solo, contando sobre as pesquisas voltadas à Ecologia Microbiana, que auxiliam no aumento da produtividade das culturas, suprindo as plantas com nutrientes ou as protegendo contra pragas e patógenos. Segundo Andreote, os destaques dos estudos estão ligados aos fungos micorrízicos arbusculares - grupos de organismos que ocupam a rizosfera (região do solo próxima às raízes) - e também estão relacionados com a poluição e degradação de contaminantes no solo, além das pesquisas sobre a biodiversidade dos solos e ocorrência de diversos processos importantes para sua manutenção.
Na prática, os estudantes do programa realizam trabalhos em áreas naturais e biomas brasileiros como a Amazônia, a caatinga, os manguezais e áreas de produção agrícola. “A ideia neste sentido é de transferir os conhecimentos obtidos no estudo de áreas naturais para o ambiente agrícola, na busca por alternativas de manejo que levem a agricultura a um novo patamar de sustentabilidade”.
Além da professora Elke e do professor Fernando Andreote, a área de microbiologia do Departamento de Ciência do Solo conta com a atuação do professor Marcio Rodrigues Lambais.
Manejo e conservação – Para comemorar o Ano Internacional dos Solos (a 68ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, realizada em dezembro de 2013, declarou 2015 como o Ano Internacional dos Solos), desde agosto de 2015, a Assessoria de Comunicação da ESALQ, em parceria com o Departamento de Ciência do Solo da instituição, publica a série de reportagem “O solo nosso de cada dia”. Na quarta reportagem da série apresentaremos os estudos de manejo e conservação, mostrando as medidas necessárias para obter um solo de qualidade, garantindo sua preservação.
Texto: Ana Carolina Brunelli | Revisão: Caio Albuquerque (29/10/2015)