Áreas agrícolas alteram a dieta e o uso do habitat de espécies de mamíferos

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Cateto (Pecari tajacu). Crédito: ICMBio/CENAP
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Antes considerada inóspita, as áreas agrícolas passaram a se configurar como um local onde encontrar recursos alimentares e habitat para espécies de mamíferos. Esse é o resultado de um estudo que reuniu pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, a pesquisa tem como titular o biólogo Marcelo Magioli, que defendeu o doutorado no Programa de Pós-graduação em Ecologia Aplicada Interunidades Esalq/Cena (unidades do campus da USP em Piracicaba) sob orientação da professora Katia Maria Paschoaletto Micchi de Barros Ferraz, do departamento de Ciências Florestais.

O pesquisador explica que, a partir das fezes dos mamíferos coletadas em quatro áreas da Mata Atlântica do estado de São Paulo, duas conservadas e duas modificadas, foram extraídos os pelos dos animais, sendo esses submetidos a análise de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio.

“A análise de isótopos estáveis de carbono permite conhecer a origem dos recursos consumidos pelos mamíferos, ou seja, se vem das florestas ou dos cultivos agrícolas, e os isótopos estáveis de nitrogênio oferecerem informações sobre a posição das espécies na cadeia alimentar, isto é, se são consumidores primários, secundários ou predadores”, explica Marcelo Magioli, primeiro autor do artigo.

Magioli reforça que os dados obtidos mostram que os mamíferos presentes em grandes blocos florestais utilizam principalmente recursos alimentares originado nas próprias florestas, habitando basicamente esses locais. “A organização da cadeia alimentar nessas áreas é complexa, consequência da maior diversidade de espécies e menor impacto das atividades humanas”.

Na contramão, complementa o autor do estudo, os mamíferos presentes em áreas agrícolas, onde as florestas são pequenas e isoladas uma das outras, as espécies passam a consumir alimentos originados nos cultivos (p.ex., cana-de-açúcar, milho e pastagens), também utilizando essas áreas como habitat. “A cadeia alimentar nessas paisagens é confusa devido ao uso de fertilizantes nos cultivos que aumentam os valores de nitrogênio nas plantas, que por sua vez são consumidas pelos mamíferos, eem consequência alteram a posição de animais que são consumidores de recursos primários (i.e., vegetais) na cadeia”, disse Magioli.

A pesquisa acrescenta informações sobre o papel das áreas agrícolas como parte do habitat de espécies da fauna e um lugar onde encontrar alimento, tido por estudos anteriores como áreas inóspitas para as espécies. “No entanto, apesar dos mamíferos utilizarem e consumirem recursos nos cultivos agrícolas, não sabemos ainda as consequências desses alimentos para a saúde dos animais”, pondera Magioli.


 Paisagem modificada no interior do estado de São Paulo, apresentando um fragmento florestal isolado em meio ao plantio de cana-de-açúcar. Crédito: Marcelo Magioli


O estudo conclui que nas áreas agrícolas é necessária uma conciliação entre produção e conservação da biodiversidade, ou seja, um manejo favorável dos cultivos. “Os mamíferos dependem das florestas para sobreviver (refúgio), sendo assim, a sua remoção resultaria no desaparecimento das espécies. Os grandes blocos florestais são insubstituíveis para a conservação das espécies de mamíferos, pois abrigam maior diversidade, e muitos animais que já foram extintos em áreas agrícolas”, complementa o pesquisador.

O artigo Human-modified landscapes alter mammal resource and habitat use and trophic structure, de Marcelo Magioli, Marcelo Z. Moreira, Renata C. B. Fonseca, Milton C. Ribeiro, Márcia G. Rodrigues e Katia M. P. M. B. Ferraz também pode ser acessado em https://www.pnas.org/content/116/37/18466.

A pesquisa teve apoio pela Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Texto: Caio Albuquerque (19/09/2019)